[Cinema japonês] A Trilogia Budista de Akio Jissoji e um quase-comentário

By rodrigo araujo - junho 25, 2014

É preciso abrir um parêntesis quando se fala do cineasta Akio Jissoji (1937-2006) no horizonte do cinema japonês: é largamente desconhecido pelo público brasileiro e -- resultado disto -- suas obras configuram uma tamanha escassez. Em meu caminho pelo cinema japonês e pelo cinema de Jissoji, meu método será tomar o que temos de disponível do seu escasso acervo e dele fazer uma pequena introdução ao que buscarei percorrer no cinema nipônico, especialmente da segunda metade do século XX (e se eu estiver vivo, do século atual).

Com a segunda metade do século XX, o cinema japonês experienciou na franja do curso e no jogo da linguagem uma rica energia nos modos de como jogar com a tradição e com os valores ocidentais introduzidos. Se o grupo da Nuberu Bagu (a Nouvelle Vague japonesa) configura uma originalidade ou não, veremos no decorrer dos filmes posteriormente. Quero ficar, por hora, apenas com uma frase da Lúcia Nagib acerca de uma conceituação da Nouvelle Vague japonesa: "refletir com extraordiária energia os problemas específicos do Japão" (In: Em torno da Nouvelle Vague japonesa, 1993, Editora Unicamp, p.26). O cinema japonês perseguiu com maestria os problemas de sua sociedade. É neste contexto da Nouvelle Vague japonesa e da ATG (Art Theatre Guild) -- fomentadora de filmes pós-1960 -- que Akio Jissoji , seguindo a citação de Nagib, não só olha para os temas do social, mas também olha para o ser -- inclusive, Akio Jissoji não é citado na obra seleta de Lúcia Nagib.

O que temos de disponível de uma vasta obra de Akio Jissoji é apenas a sua "Trilogia Budista" e a ela quero lançar breves notas, quer dizer, aos dois primeiros filmes da trilogia: This Transient Life (1970) e Mandala (1971). Infelizmente, e até o momento, não consegui a última parte da trilogia. 

1. O primeiro filme da "Trilogia Budista", This Transient Life (1970), não é muito convicente, quer dizer, inaugura temas que serão melhor expostos no segundo filme, Mandala, mas não há uma harmonia nos caminhos percorridos -- exceto a belíssima fotografia e belíssimos movimentos de câmera. Este filme, em suas primeiras horas, se mostra estranhamente confuso. Bom mesmo são os 30 minutos finais de Transient Life, onde Masao e Ogino-san discutem o Budismo e o nada. Ai, sim, o filme eleva-se! Masao apresenta uma excelente visão do Budismo como vacuidade, ou nadidade, ora interpelado por Ogino-san e a visão de Nirvana. Um nada originário do ser (no máximo dos máximos o que o filósofo alemão Heidegger dirá acerca da "suspensão do ser no nada" -- In: Que é metafísica? Preleção de 1929). Masao erige uma frase soberba acerca do nada e que diz respeito ao Budismo: "Sou obsecado por estátuas budistas porque todas elas te olham com o mesmo sorriso misterioso. Este é exatamente o semblante do nada". Esta frase é uma verdadeira poesia, pensando heideggerianamente na poesia como morada do ser. Com efeito, Transient Life mira em temas como o profano, o erotismo, o corpo -- lembrando da frase da Lúcia Nagib, esta "primeira parte" do filme perfeitamente direciona-se para estes "problemas específicos do Japão", visto que o sexo será um tema corrente deste novo cinema japonês. Não obstante, os 30 minutos finais são um filme à parte dentro do filme, pois não há uma "ligação" entre esta parte e a "primeira". Ou, dito de outro modo: os momentos finais do filme ultrapassam um 'certo sentido' da colocação de Lúcia Nagib e passam a mirar o problema do ser pela ótica budista. Transient Life é um filme difícil, e podemos até dizer que se assemelha a um "Koan" que, segundo o Budismo, são anedotas que funcionam como um "desafio ao pensamento e à lógica".


















2. Bem mais interessante e bem mais ousado que o primeiro filme da trilogia, Mandala (1971) é um filme até nuclear na própria proposta da "Trilogia Budista" de Akio Jissoji. Os temas aqui estão bem entrelaçados: amor, finitude, existência, tempo. E vai da filosofia da existência para desaguar no corpo, na sexualidade. Diferentemente de Transient Life, este Mandala orquestra de modo brilhante o ser e o seu redor. A proposta de uma seita, cujo personagens aderem para explorar ao máximo a liberdade sexual e até a violação dos limites do corpo, nos lega uma frase lapidar: "Apenas aqueles que negam o tempo e a história se juntam a nós". Mandala é um filme que desloca as coisas de lugar, que perturba as linhas de curso. Por isso alguns leem o filme como "genuinamente" japonês (gosto da palavra genuíno, mas ao mesmo tempo a olho deleuzianamente com desconfiança, é possivel pensar a origem?). Prefiro ver o filme como traço de uma tradição, e mais como um desafio ao pensamento -- que ai sim, segue um fio condutor desde o primeiro filme da trilogia.











 
 



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Rodrigo Araujo,

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1 comentários

  1. Grato Rodrigo..Meu bom espero q vc esteja vivo e bem. Sua escrita aumentou minha curiosidade sobre esses titulos.Espero também que voce tenha conseguido a terceira parte...Grato grato grato!

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